Ouvi que Proust, ao comer uma madeleine certa vez, fora subitamente invadido por lembranças e memórias vívidas de sua infância e que o ocorrido lhe causara tamanha transformação a ponto de chamar-lhe epifania.
Na hora lembrei de um fato. Era uma caminhada matinal na praia, no mesmo ano em que adentrei no universo da consultoria de estilo. Uma manhã perfeita de sol e mar, com muitas, muitas pessoas caminhando na areia, assim como meu marido e eu fazíamos.
O que poderia ser mais normal do que isso?
Mas ela – a epifania – tem o poder de aparecer sem aviso e transformar o banal em algo fascinante, estupendo, súbito. Ninguém a pode prever ou domar.
Nós andávamos silentes em direção à casa, já tínhamos passado a plataforma, quando as pessoas que caminhavam na direção contrária à nossa – portanto, de frente – passaram a ter grande importância no meu campo de visão. Eu não chegava a torcer o pescoço para seguir olhando-as, não precisava. A orla estava cheia e eu tinha material suficiente para observar.

E o que eu observava? Biotipos!
Via quadris largos, via bustos pequenos. Via barrigas salientes, via marcas de cirurgia. Via estrias e celulites, via ombros mais estreitos que o quadril, via quadris mais estreitos que os ombros. Via saúde plena com o frescobol, via o mancar causado por uma perna curta. Via rostos tipo de revista, acompanhado de corpos que pareciam ter sido a capa. Via rostos com as rugas marcando o tempo… teriam valido a pena? Via altos e baixos, gordos e magros, sorrisos amplos e caras fechadas. Todos tão diferentes, nenhum igual, nenhum sequer! E ainda assim, todos em traje de banho, todos à mostra, todos livres, todos iguais, todos irmãos…
De súbito, uma onda crescente de compaixão foi tomando conta do meu peito, inflou e escorreu discretamente pelos meus olhos. Tentei explicar pro meu marido enquanto caminhávamos e saiu mais ou menos isso: “olha, cada pessoa é única mesmo, não faz sentido a gente se comparar, a beleza está em todas as formas porque cada uma é singular e tem uma história própria!”
Ele conseguiu balbuciar: “mmm… continue…” O que pensou, não disse, mas eu apostaria em: “será que enlouqueceu de vez?”
Dizem que uma epifania sempre transforma. Mas ela só funciona pra quem a tem. Não faz o menor sentido pro outro. Eu sei que a partir daquele momento, meu trabalho com a imagem ficou mais humano. Um pouco antes eu escrevi “compaixão”, mas na realidade queria ter escrito “amor”, só que achei piegas. Mas foi amor. Algo tipo: “vai ficar tudo bem, você é linda/lindo assim, acredite.”
Eu não tenho como provar, mas sigo acreditando naquele dia, na minha singular revelação, procurando viver com aquela leveza, encontrando nisso um sentido a mais para o meu trabalho.

Dallen Fragoso
Em exercício constante de lembrar dessa pequena epifania para baixar a régua do julgamento... a começar em mim mesma.