Era um dia de semana sem eventos especiais, um dia típico da nova rotina que criamos, Théo e eu – nesse começo de vida nova pra nós dois. Ele como um bebezinho de pouco menos de três meses, eu como mãe recém-nascida há pouco menos de três meses.
Quando o dia é bonito nós vamos pra praça. Até agora não perdemos um dia bonito se quer. Faço questão de aproveitar todos os bons dias do inverno, pra não sofrer de arrependimento quando os dias de chuva ou muito frio vêm reivindicar os seus lugares.
Então era um dia comum, Theodoro e eu na praça, ele fora do carrinho, enrolado num cobertor levinho, de pé no meu colo, peito dele encostado no meu peito e os olhos bem arregalados olhando vai saber o quê. Quem é que sabe o que enxerga um bebê tão novinho? Respeito e aplaudo a ciência e os médicos, mas nenhuma explicação que já tenham me dado sobre o que se passa com a percepção de uma criancinha tão nova me convence de que é possível de fato saber o que enxerga, o que ouve e o que entende um bebê.
Sendo assim ali estava Théo com seus olhinhos olhando sei lá eu o que.
Vinha vindo logo ali uma moça, com seu cachorro, caminhando devagar. Passeando com calma, passos lentos de quem tenta atrasar a volta pra casa, talvez.
Em frente ao banco em que eu sentava com Théo no colo, ela parou e perguntou quantos meses ele tinha. Não lembro se deu tempo de acabar de responder antes de ouvir de volta, num tom entre o conselho e a advertência:
– Aproveita, passa rápido.
Eu não consigo te dizer quantas vezes eu ouvi essas três palavras juntas nos últimos poucos meses.
Nos dias em que o descanso era tão pouco que até as atividades mais rotineiras eram feitas de maneira tosca e desajeitada. Aproveita, passa rápido.
Naqueles primeiros dias em que me acostumava com um novo pedaço de identidade e me apavorava pensando em como dar conta de um ser humaninho tão querido e tão novinho, acabado de chegar. Aproveita, passa rápido.
Nos dias em que eu queria um pouquinho mais do que uma hora pra me concentrar em outra coisa que não fosse o meu bebê. Aproveita, passa rápido.
Nos dias em que eu não queria falar ou ouvir de outra coisa que não fosse o meu bebê. Aproveita, passa rápido.
Nos dias em que eu queria congelar o tempo, porque via a olhos nus que tudo passava muito rápido. Aproveita, passa rápido.
Aproveita, passa rápido.
Ouvi de familiares, de conhecidos, de amigos, até de estranhos na rua.
Quase sempre nesse tom de quem adverte, e quase sempre também carregado de alguma coisa que me diz que ali tem nostalgia. Uma vontade de voltar no tempo, de ter sido talvez avisado também de que, atenção: passa rápido!
Mas hoje eu digo, na posição de uma mãe de primeira viagem, única responsável (na maior parte do tempo) por todas as demandas diárias que envolvem sua criança, mulher que conjuga, junto com esse, um papel e uma carreira profissional e tem a mais nobre intenção de não só estar presente mas também de evitar todas as inevitáveis cagadas que incluem – justamente – ser uma mãe de primeira viagem:
Não existe aproveita, passa rápido.
Quando foi a última vez que alguém conseguiu dobrar o tempo?
Quando foi a última vez que, passando por um momento único, especial, marcante, daqueles dos quais lembramos pro resto da vida, alguém conseguiu dizer… “pera aí um pouquinho, deixa eu fazer esse segundo durar um minuto. Deixa eu aumentar a regulagem aqui dos sentidos que me permitem aproveitar o momento, pra que eu possa aproveitar ele um pouquinho mais.”
Olhar pra uma mãe, num dia difícil ou não, e lembrá-la de que aqueles momentos são fugazes, pode muito facilmente acionar uma sensação pouco gostosa e da qual ela talvez não precise, que se chama ansiedade.
O dia tá ruim? Criança tá chorosa, a casa tá do avesso, a noite foi mal dormida, e a sensação é de que se entrou num novo capítulo da vida onde você não é protagonista. No qual a listinha de tarefas a cumprir parece impossível e grande demais. Uma mulher, nesse dia, que ouve como conselho o de aproveitar o momento, pode achar que alguma coisa muito errada se passa com ela. O sentimento deveria então ser de uma gratidão profunda, irrestrita, contínua e ilimitada, e não de cansaço e confusão?
Uma mãe num dia lindo, curtindo o seu filho, descobrindo junto com ele as delícias indescritíveis de sentir um novo e gigantesco amor se construindo, uma mãe que queria mesmo era jogar aquela listinha de tarefas pela janela pra poder passar o dia todinho abraçada, beijando, afagando o seu bebê que nunca mais será tão pequeninho… essa mãe sabe que passa rápido. Ela já sente o tempo passando rápido.
Cada vez que ouço essas três palavras faladas juntas eu sei que existe muito amor ali por trás. Eu sei que existe uma vontade de querer ter de volta uma criancinha que cabe no colo, de reviver a sensação indizível de ver o seu bebê descobrindo o mundo, de notar os primeiros sons, os primeiros trejeitos, os primeiros sinais de admiração com quase tudo. É só amor e conselho sincero.
Por isso, a cada vez que ouço essas três palavras faladas juntas, tento me lembrar que um dia também serei uma mãe com um filho grande, olhando pra outra mãe com um filho bebê, e que, por mais que exista só amor no que é expresso como conselho, que – no ímpeto de aconselhar que ela aproveite, porque passa rápido, eu me lembre de dizer somente:
– Nossa, como passou rápido…