(ATÉ PORQUE ELA NÃO EXISTE.)
Dia das Mães chegando e quero conversar com os filhos e filhas. Isso aqui não é um texto para mães (salvo se você é uma mãe que vai ler isso aqui do lugar de filha, aí tá liberado! 🤗😅).
Também não é texto pra crianças. É uma conversa de adulto sabe? Com filhos adultos no caso.
Houve uma época em que você estava na sala de aula e pintou um cartão com corações durante uma semana pré-dia-das-mães como esta. Depois você levou ele pra casa na sexta feira e entregou pra ela… nele dizia que a sua mãe era uma rainha, ou que era a melhor do mundo, ou outras frases prontas impressas naquela folha que a escola entregou. Talvez você acreditasse no que estava ali, talvez não. Talvez você nem entendesse ao certo, mas para você aquela mulher, a sua mãe, parecia um pouco mágica.
Se você teve a sorte de ter uma mãe comum, você já idealizou ela em algum momento. Digo mãe comum porque há mães violentas e mães negligentes, cujos filhos tiveram que descobrir seus sérios defeitos cedo demais, como forma de sobreviver ao caos. Se é o seu caso, sinta meu abraço. Você não precisa pegar leve com ela, nem morrer de amores por ela nessa data. Tá tudo bem manter distância. Você merecia ter tido uma mãe comum como a do seu vizinho ou colega, e não é sua culpa ter tido uma péssima mãe. Aliás, falando em péssima mãe, a maioria das mulheres que acredita estar nessa categoria, de fato não está. E as que estão, na maioria das vezes, sequer se questionam sobre isto. Pois é…
Supondo que você tenha tido uma mãe comum, que foi presente, te amou, foi afetiva em um grau menor ou maior do jeito que conseguia, te educou, sacrificou algumas coisas para te proporcionar uma vida melhor, te cuidou quando você esteve doente, etc… você já acreditou, num período da sua infância, que ela era quase perfeita. Tudo bem, faz parte do desenvolvimento normal essa idealização do ser que parece ter a capacidade de resolver todos os seus problemas. Ao mesmo tempo, quando mais crescidinho, logo descobriu que essa mulher, por melhor que pudesse ter sido, não daria conta de sanar todas as tuas necessidades.
E a quem estou chamando de mães comuns? Costumo dizer que os “pais incríveis” são as “mães comuns“. Um pai que dá banho, troca fraldas, leva na escola, sabe o nome da melhor amiga da filha e como ela está na aula de matemática, o pai que consegue ir na loja comprar o tênis do filho e saber o número que ele calça, que tem capacidade de fazer a comida e alimentar a criança, que aconselha numa fase difícil… Bom, esses pais que vemos socialmente como pais incríveis, homens presentes e admiráveis… Basicamente, resumindo, eles fazem o que toda mãe comum faz. Elas só não ficam famosas por isto e nem ouvem elogios tão constantes por “ajudarem” a criar os próprios filhos. (Relacionou com o clássico “dois pesos e duas medidas” do machismo? Aham… Pois é.)
Ok. Dada a minha definição da mãe comum, queria dizer que a vida é bem injusta com essas mães. A começar pelo fato de que socialmente as exigências sobre elas quanto a criação de filhos são sempre maiores do que sobre os pais.
E elas até tentam nos explicar o malabarismo que elas estão fazendo, mas a gente não ouve muito. E aí vem aquela frase clássica delas, cheia de esperança (ou de vingança, kkkk):
“- ah quando você tiver filhos vai entender!”.
Eu entendo a frase e também discordo dela. Considero ela problemática por colocar no futuro um exercício que deveria ser feito no presente. Primeiro, porque talvez essa pessoa nunca tenha filhos. Segundo, porque se tiver, pode ainda assim não entender. E se a gente é adulto, a gente deveria fazer o exercício de empatizar com essa outra pessoa adulta tão importante na nossa vida, que a gente chama de mãe.
E essa é a minha pauta hoje, ter uma conversa com filhos e filhas adultas que embora já tenham compreendido que suas mães não são tão perfeitas e poderosas quanto pareciam na infância, ainda desejam que elas se comportem como se fossem. O negócio é o seguinte: Parem com isso! A melhor mãe do mundo não existe.
Deixa eu te dizer uma coisa,
a tua mãe é uma pessoa.
É isso.
Ela tem medos, traumas. Ela tem uma historia de vida antes de você. Ela tem arrependimentos, tem satisfações, tem frustrações, desejos, necessidades. Ela faz umas cagadas, dá umas bolas-fora. Ela não está sempre certa, e também não está sempre errada. Igual a todo ser humano. Tem coisas que ela faz porque aprendeu assim e foi o jeito que ela teve de sobreviver ao contexto dela, quer você saiba qual foi ou não. Ela te ama e ainda sente coisas contraditórias ao seu respeito, o que é absolutamente normal.
É bem provável que tua mãe tenha desejado muito que você continuasse uma criança e também que crescesse logo e parasse de dar trabalho, tudo no mesmo dia. Ela deve ter sentido orgulho de te ver agindo como ela numa situação, pensando que te educou bem. E também deve ter ficado com muita raiva quando você agiu igual a ela em uma outra situação que no fim se voltou contra ela, e ela se embananou toda… (quem nunca! hahaha). Ela entende racionalmente que tu é um adulto, ao mesmo tempo que ela lembra que limpou tua bundinha por anos e aí fica meio perdida nos limites da tua privacidade. Ela se perde, ela se encontra, ela se melhora do jeito que pode, se esforça, como qualquer pessoa.
MÃES SÃO PESSOAS! E você já passou da idade de não enxergar isto.
Acho injusta a carga que socialmente colocamos sobre as mães. É quase como se tivessem de ser sobre-humanas. Eu entendo o quão difícil deve ser lidar com esse papel materno. E eu não preciso ser mãe pra entender isto, você também não deveria precisar. É só olhar pra elas, olhar para o que elas fazem, é só ouvir com um pingo de atenção, que logo a gente capta o grau de complexidade da função.
Não posso dizer que sei como é. Não sei. Mas eu consigo, de verdade, entender o que elas dizem, consigo imaginar como se sentem, consigo empatizar. São pessoas comuns, com suas próprias questões, que exerceram uma tarefa altamente complexa de construir um outro ser humano (muitas delas quase sozinhas).
E aí depois ficam nesse lugar de conviver com os próprios erros e acertos na forma adulta. Mães comuns não erram intencionalmente. Elas costumam se esmerar na tentativa de acertar. Daí tu pensa a sensação horrível que deve ser constatar que tu errou feio numas coisas que tu nem tinha percebido… e aí ter de conviver com um adulto que te mostra onde tu errou toda vez que almoça na tua casa? E esse adulto tá no topo da lista das pessoas que tu mais amou e mais tentou acertar na tua vida. Cara, sério, deve ser bem difícil esse sentimento! Não é a toa que as mães se esquivam de certas conversas quando a gente quer lembrar dumas cagadas que elas fizeram com a gente… olhando desse ângulo, até que é compreensível.
Acho que a gente devia pegar mais leve com elas, as mães comuns. A gente devia ser mais tolerante com as chatices, agradecer a preocupação e dar notícias de como estamos. A gente devia fazer uma sopa quando elas estão doentes. E acho que a gente devia falar um pouco dos acertos delas também. Mães comuns geralmente são boas mães, dedicadas e preocupadas com suas crias.
Enxergar as mães como pessoas, acredito que esta é uma das coisas mais libertadoras pra gente que já é um filho adulto. Quando a gente entende mesmo que a mãe da gente é uma pessoa, não uma heroína, a gente se relaciona de outra forma com as próprias expectativas a cerca dela. A gente para de esperar que ela reaja como se não tivesse as próprias dores e traumas. A gente até mantém limites e proteções, se necessárias, mas não por rancor. A gente aceita a mãe que a gente tem, com as todas qualidades e os defeitos, e para de alimentar um ideal de perfeição. E isso, muitas vezes, até melhora a relação.
Espero que a esta altura da vida você já tenha percebido que a sua mãe não é perfeita. Que você já tenha uma pequena lista (ou grande, dependendo do caso, rs…) de coisas que deseja fazer diferente dela e de erros que você identifica e pretende não reproduzir, seja na própria vida, seja na criação dos seus filhos. Isso é muito saudável, que você assuma a responsabilidade de ser adulto e de reparar o que puder em si mesmo.
E espero também que você consiga desenvolver a melhor relação possível com a tua mãe, ainda que esse possível esteja longe do idealizado. Espero que você consiga ser o filho/filha que deseja. E que sempre exista amor na relação imperfeita entre vocês!
Desejo a você um feliz dia das mães, dentro do possível!
(PS.: Se tu é um adulto que acredita que tem uma mãe zero-defeitos, procure um psicólogo. É serio. Temos que tratar umas coisitas com urgência heim… Hehehe….)
Sara Adaís Muller
Psicologa Clínica