Estava no carro, indo para o consultório, quando notei o tom da minha voz interna. Ela dizia, em caráter de constatação e também com gentileza “eu preciso me organizar”. Quando percebi essa voz amigável, me informando algo que eu já sabia, sem cobranças e julgamentos, enchi os olhos dágua. Que bom que estou me tratando bem, pensei. Essa voz já usou tons bem mais críticos e hostis em outros tempos.
Estou com aquela sensação de acúmulo de final de ano, aquela que vocês já conhecem bem. Só que desta vez, tem mais uma porção de coisas que não tem nada a ver com o final do ano, mas que se somaram. Não são coisas ruins, nem estressantes, são só coisas a mais. A gente se mudou e apesar de já fazerem 3 meses, ainda tem coisas que não foram finalizadas. A agenda tá cheia. Ainda não fiz o fluxo de caixa para enviar para a contabilidade. O cachorro anda esquisito, preciso procurar um adestrador para solucionar esses comportamentos. Aliás, o antipulgas venceu tem uns dias. Uma garrafa de vidro estourou no meu freezer há 5 dias, ainda não tirei de lá. E tem coisas na minha geladeira que definitivamente já deveriam ter ido pro lixo, ninguém vai comer, mas estão lá esperando estragar de vez para daí desocuparem o espaço. Tem uma pilha de roupa de cama para lavar, que ficou num cesto do lado da máquina, desde o sábado passado. E as toalhas de papel do banheiro do consultório acabaram ontem. Preciso comprar a vitamina D, fazer o exame de sangue e também ligar para agendar o retorno de uma consulta médica. E essa lista ainda iria muito longe, mas vou poupar o tempo de vocês e o meu.
Eu estou fazendo as coisas de acordo com o possível, tentando administrar a energia que tenho, o tempo que tenho, as demandas que tenho. Mas mesmo com isso tudo para fazer, na quarta feira, quando 2 pacientes desmarcaram e tive um tempinho livre, eu fui ver minha sobrinha. Uma bebê fofa, que nasceu mês passado. Vi minha cunhada, comi rosca de polvilho, dei colinho para aquele pedacinho de gente e voltei para atender o próximo da agenda no consultório. E eu to é muito certa de ter feito essa escolha de uso do tempo. Quando chegar ao fim da minha vida, não vou me arrepender de não ter limpado mais vezes a geladeira, mas me arrependeria de não ter visto mais aqueles que eu amo. Então, tudo certo.
Eu queria ter escrito um texto aqui pro Blog na semana passada sobre o Dia da Consciência Negra. Não consegui me concentrar para escrever. É um tema que me exige bastante em termos de escolha das palavras, o tipo de assunto que sempre gera polêmica, então né… o dia passou e não escrevi. Por um lado me questionei se deveria insistir até o texto sair, por outro lado lembrei que já me posiciono sobre esse assunto tantas vezes, que um texto a menos não vai fazer tanta falta. Então, tudo certo quanto a isso também.
Ando há semanas com essa sensação da desorganização sabe? De não conseguir que tudo caiba bonitinho dentro do dia, de não conseguir resolver todas as pendências que gostaria, de não executar as tarefas que tinha intenção de concluir, parece que sempre tem mais uma coisa em aberto na minha lista mental.
Mas o que me deixou feliz foi a voz. A minha voz sendo compreensiva comigo e me lembrando que sou responsável o suficiente para gerenciar e dar conta das reais prioridades e também flexível o suficiente para tolerar as pendências de cada dia por enquanto. Como é bom ser tratada com carinho. Não estou negando o contexto, nem a frustração que existe em não conseguir manter as demandas em ordem. Mas estou reconhecendo que não preciso me punir, nem me culpabilizar por isto. É só um período tumultuado, que vai passar, como em todas as outras vezes, em todos os outros anos. E eu vou me organizar, assim que der.
Qual tem sido o tom da sua voz interna? Você deixaria outra pessoa estranha falar com você nesse mesmo tom? É uma voz respeitosa ou é uma voz agressiva? Essa voz considera o seu contexto quando fala com você ou só te critica como se você tivesse culpa de tudo o tempo todo? Essa voz te ajuda a fazer boas escolhas? Ou te cobra produtividade cega, te afastando das prioridades reais? Essa voz reconhece teus acertos, ou só aparece na hora de enumerar erros? Essa voz interna diz muito do modo como você aprendeu a se relacionar consigo mesmo.
Então resumindo: Eu estou cheia de demandas? Sim. Preciso conseguir me reorganizar logo? Sim. Mas o que me deixou orgulhosa essa semana foi perceber o tom dessa voz interna. Estou me tratando do jeito que mereço, com todo o respeito. E você?