Certa vez eu ouvi do Prof. Karnal uma explicação que nunca mais vou esquecer. Estava falando sobre as cotas raciais nas universidades e a criminalização do racismo. Vou parafrasear o que ele disse:
“Eu acredito em coerção e educação. Essas duas coisas têm que andar juntas enquanto a gente desenvolve uma cultura onde elas não precisem mais existir porque o “todos são iguais perante a lei” será verdadeiro. Mas até lá, essas medidas são extremamente necessárias”.
Desde então eu passei a ver com outros olhos as datas comemorativas que têm um motivo maior que apenas comercial. Dentre essas está o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) e essa que o calendário à minha frente e as muitas mensagens nas redes sociais hoje não me deixam esquecer: 08 de março, Dia da Mulher.
É fato que esse dia abre precedentes pra gente ser mimada como em nenhum outro, mas isso é bom, desde que não nos tire o foco do que realmente importa. Afinal, quem não gosta de ter seus desejos atendidos, seu lugar de fala respeitado e suas principais reivindicações tendo cobertura maior na mídia?
Se a data não fosse instituída, teríamos esse espaço? Acredito que podemos ocupar todos os espaços legítimos que pudermos para trazer à tona aquilo que julgamos relevante. Um dia, se tudo der certo essa data será absolutamente desnecessária.
Mas até lá…
Pegando um pequeno recorte da História, houve um tempo em que a mulher não podia adentrar o espaço público, não éramos sequer consideradas cidadãs. Foi apenas a partir da Modernidade que a gente começou a questionar isso: como assim democracia? Qual é o meu papel? Quem somos nós? Por “nós” leia-se todo mundo: homens, mulheres, sociedade… Aí a gente instaura uma ideia de que sim, nós somos iguais perante a lei, sem distinção de gênero, classe, cor, etnia, classe… Muito bom, né? Como narrativa OK, mas como realidade a gente está caminhando ainda, performando, entendendo como é que a gente escreve essa história.
Ei, psiu! Você que me lê nesse exato momento: você está escrevendo a História!
E aí vem uma conexão muito linda que eu gosto de fazer com o instrumento do meu trabalho que é contar uma história através daquilo que a gente veste. Você lembra das ombreiras nos anos 80? As mulheres que precisavam daquela voz, daquela força na época, usaram muito tecido plano, linhas retas principalmente nos casacos e ternos, e ombreiras, pois sinalizavam estrutura, poder.
Se eu disser anos 60 e você fechar os olhos, saias godês de estampa poá e coques altos vão invadir sua mente. Anos 70: camisas com estampa liberty, aquela das florzinhas miúdas, calças boca de sino, veludo cotelê, cabelos ao natural. Anos 80: uma onda over, o maxi é tudo de bom: maxi colar, maxi maquiagem, cabelo a la Panteras e as ombreiras que citei antes. E assim, cada época teve sua vertente, sua peça ícone que nos faz lembrar dela décadas depois. Interessante que a maioria das pessoas conseguia alcançar/usar/vestir aquela tendência. Era tudo bem padronizado.
Hoje, entretanto, a gente está se permitindo viver uma ruptura desses padrões. Por exemplo, não é porque os movimentos feministas adotaram o rosa que eu vou usar também. Eu sei que posso escolher a cor que eu quiser. O cabelo da celebridade não vai mais ditar o jeito que eu vou usar o meu. A gente sabe isso, né?
O problema é que diante de todas as opções disponíveis, a dificuldade dos nossos tempos é saber QUAL me cabe, qual me representa?
Aqui só tem um jeito: procurar se conhecer. O autoconhecimento é o único caminho para um estilo que te represente o mais verdadeiramente possível. E você é livre até para escolher onde buscá-lo: em livros, em vídeos, em viagens, em templos, em terapia, em consultoria de estilo… não há limites, porque não há 100% de verdade em caminho algum. Qualquer que seja a sua escolha, ela sempre te levará para outras.
Se você ainda não tinha associado autoconhecimento ao vestir… passe a fazê-lo!
Então pra hoje, que história você está escrevendo e qual deseja escrever? Elas conversam?
Bora escrever uma história linda de mulheres que sabem o que estão fazendo, que entendem a caminhada de outras mulheres que suaram muito para que a gente pudesse chegar aonde estamos, ocupando os cargos que ocupamos, tendo voz e sendo ouvidas. Sem esquecer, claro, que ainda temos muito chão pela frente.
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Obrigada,
D.